FILHOS

 

Olho a obra e me reconheço autor

mas onde o orgulho de criador?

Vejo-me perplexo como um sonâmbulo

Admirando o que pintou dormindo.

 

Aconteceu involuntariamente

como respirar

chorar e rir ou tropeçar

descobrir e amar.

Assim eu entregava sem pensar

fórmulas do meu laboratório de viver.

 

Foram amores e temores

pendores de mil teores

desejos grandes e caprichos pequenos

idéias cândidas e ideais exóticos

causas e efeitos e defeitos.

Era o que eu tinha e o que dei

sem méritos nem culpas

porque pais não aprendem a dar

e nunca filhos bem sabem pedir.

 

Estranho e controvertido legado

hoje constato que a vocês fluiu

sob a tona das mundanidades.

Indefinida e indecisa herança

tal neblina ocultando lampejos

de utópica e imprecisa ética

cheia de leis e punições.

 

Desta melancólica revisão

colho enfim uma conclusão.

E há algo reconfortante

no balanço importante.

Encontro um valioso tesouro

que começo a gastar em versos.

Meus filhos vocês também

sem querer

me entregam sua bagagem

de saber

apenas praticando suas maneiras

de ver.

Vocês vivendo

Devolvem o recebido

agora temperado

com a grandeza da pureza jovem

a abertura da cultura nova

a depuração da ótica livre

renascida à margem de vias batidas.

Sinto no ar verdadeiro milagre

descubro em mim desconhecido ser

trocado pelo privilégio de entender

o recado de um amanhã diferente.

Qual caldeira cansada sob o repente

de um vapor misterioso e forte

aqueço-me para emanar

uma energia consciente.

 

Sinto-me pleno de novos juízos

e neles garimpo outras mensagens

a serem traduzidas em nortes.

Filhos é hora de traçar novos mapas

Para todos nós viajarmos mais.

Filhos é preciso partir já

pois há muitas verdades a visitar.