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A
INOVAÇÃO CHEGA À IDADE DA
RAZÃO
artigo
publicado na
revista da ESPM.
“A
INOVAÇÃO CHEGA À IDADE DA
RAZÃO”,
O
empreendedor é o agente do
processo de destruição criativa.
É o impulso fundamental que aciona e mantém em
marcha
o motor capitalista, constantemente criando novos produtos,
novos mercados e, implacavelmente, sobrepondo-se aos antigos
métodos menos eficientes e mais caros.
Joseph
Alois Schumpeter (1883
- 1950)
INTRODUÇÃO
É
útil mostrar aqui, antecipadamente, a linha de
conteúdo que este texto defende, para que os leitores o
recebam
com a
consciência de como a matéria se coloca em
relação à sua opinião
pessoal.
O texto
focaliza
a inovação, e por isso toca no tema
mudança, que
está no âmago do problema. A
primeira parte analisa as raízes do assunto e, ao longo da
segunda e da
terceira parte, comenta como a inovação deve ser
procurada e utilizada como
insumo da produção, como ferramenta da
gestão e
como fonte de diferenciais
competitivos. Contudo, a procura deve obedecer ao bom senso de quem
sabe que
tudo em excesso é prejudicial, e este ponto para mim ganha
importância ao
vermos como a atual busca da inovação torna-se
radical.
Sugiro que uma corrida
em direção ao novo, a qualquer preço e
sem
qualquer baliza, tem sido perigosa e
tem acarretado problemas. Por isso, é preciso hoje cultivar
uma
nova ótica da
inovação, que já prevalece entre
muitos gestores
modernos - a visão de que ela
deve subordinar-se às práticas depuradas de um
marketing
socialmente
responsável.
Ao
falar dos ganhos advindo de uma inovação
racional,
filha de um marketing responsável, sugiro
que o que está acontecendo atualmente
nos permite ter um olhar
otimista para o futuro. Desde que todos nós defendamos o que
chamo de idade da
razão da inovação.
I
– AS RAÍZES.
-
Heráclito e a consciência da
inovação e
mudança.
Os
budistas afirmam que a única coisa que não muda
no
mundo é que o mundo está sempre em
mudança.
Heráclito
observou, chamando a atenção para essa
renovação permanente de tudo: nunca me
banho no mesmo rio, disse, afirmando que a água era sempre
outra. Percebe-se
que a cultura antiga já observava a perenidade e a
importância da
transformação, idéia que se
vê em poesia de
Lucrécio (ver quadro 1). As
religiões também adotaram a visão da
mudança na transitoriedade, lembrando-nos
que somos feitos do pó e ao pó sempre voltamos.
Mas os
seus cultos, ao se
tornarem adultos, cristalizavam os valores e tornavam-se extremamente
conservadores, repudiando mudanças, valorizando
tradições.
(quadro
1)
(1)
O MUNDO É ETERNA MUDANÇA
Nada
sozinho se mantém, mas tudo quando se junta flui.
Fragmentos
se agrupam, e assim todas as coisas vingam,
até
as percebermos e lhes darmos nomes. Aos poucos
as
coisas se dissolvem, e de novo não as conhecemos.
Mundos
vindos do átomo, surgindo lenta ou rapidamente,
é
assim que vejo sóis. Vejo também sistemas
construindo
suas
formas. E certamente os sistemas e seus sóis
deverão
lentamente retomar seu eterno curso. (Lucrécio)
Tradução
de original no “Birth of the chaordic age”, Dee
Hock:
No single
thing abides, but all things flow.
Fragment
to fragment clings: all things thus grow
Until we
know and name them. By degrees
They melt
and are no more the things we know.
Globed
from the atoms, falling slow or swift
I see the
suns, I see the systems lift
Their
forms; and even the systems and their suns
Shall go
back slowly to the eternal drift. (Lucretius)
Entretanto,
assumindo uma visão histórica e ampla, nos
parece que o homem nasce com o gene da curiosidade e da aventura
– e por isso a
experiência com o novo sempre atrai e fascina. A nossa
curiosidade nata produz
a inconformidade, germe da mudança, e é isso o
que nos
diz também a famosa
metáfora usada pelos gregos, na qual um halo de luz
representava
o
conhecimento, e a escuridão em volta, o não
saber. Quanto
mais expandimos nosso
conhecimento (nosso círculo de luz) mais tomamos contato com
o
não saber
(quanto mais sei, mais sei que me falta saber mais). O impulso do homem
pela
sua expansão no campo do conhecimento tem o motor da
curiosidade, nossa maior
mola motivadora do desenvolvimento.
Analisando
essa idéia, escrevi nesta revista, um texto
com o título “A Criatividade e a Aventura do
Novo”.
Aqui está um trecho (o
texto completo está em www.predebon.com.br)
que focaliza especificamente a motivação pela
curiosidade, como um impulso do
homem:
“...Há
também, o que talvez
seja o fator principal, um tipo de impulso que carregamos quase como
maldição,
um sentimento misto de curiosidade e fome de conquista que é
uma
das
características da espécie humana, talvez sua
maior mola
de desenvolvimento, e
consiste na sua vontade irreprimível de viver a
“aventura
do novo”. O fascínio
que o novo exerce está dentro da
motivação
aparentemente econômica de grandes
empreendimentos humanos, como na época das
explorações. O lucro seria o motivo
da iniciativa só na superfície, pois no fundo o
homem
quer novas experiências.
Nas expedições marítimas do
século quinze,
os financiadores assumiam seu risco
pelo lucro, mas eles eram só alguns, enquanto os navegadores
eram milhares, e
apostavam sua pele fascinados pela vida incerta mas excitante do mar.
Os fatos nos
levam a afirmar que nascemos assim,
curiosos
e aventureiros, mas divididos, já que, por outro lado, somos
também
organizadores e fãs do conforto e da tranqüilidade
da
rotina. Os povos antigos
viajaram pelo desconhecido, voltaram e o incorporavam. Assim foram os
Vikings,
fenícios, portugueses, fora os povos que emigraram, da
África para o mundo, e
depois da Ásia para as Américas. E depois ainda
vieram os
alargadores de
fronteiras, como conquistadores, bandeirantes e pioneiros. Contudo, a
saga do
desbravar não era só
vocação antiga, mas de
todos nós hoje,que fazemos do
turismo um dos negócios mais importantes da terra. A
aventura do
novo vem
impressa em nossos genes”.
Depois
da Revolução Industrial o
“novo” passa a
acumular poder.
Obedecendo
o princípio da mudança permanente do mundo,
dentro da evolução recente da sociedade aconteceu
a
chamada “Revolução
industrial”, quando a economia abandonou o artesanato e
passou
para a produção
de escala. Viabilizada pela inovação dentro da
tecnologia, principalmente com
os aperfeiçoamentos de Watt na máquina a vapor, a
Revolução Industrial trouxe
nova velocidade ao processo e acabou por criar o capitalismo atual.
Este
funciona como um sistema que se alimenta da
massificação
abrindo mercados, e os
mercados consumidores, por natureza própria se otimizam
estimulando o consumo.
O
novo aparece como o agente número um desse
estímulo,
e o mercado nele se apóia ideologicamente.
Cria-se a idéia do moderno como sempre melhor e
desejável: “Mas como, você
ainda usa essa coisa antiquada (feia, ou perigosa, ou de mau gosto,
etc)”. O
casamento entre esse ideário e o interesse
econômico da
indústria dá certo,
floresce e
e cria um
processo
auto-alimentador – que funciona até hoje, e que
dá
ao novo a aura de verdade
maior.
A
visão da renovação pelo consumo.
A
tese da “destruição
criativa”, colocada pelo
famoso
economista Schumpeter na primeira metade do século passado,
exemplifica como a
ciência econômica, com o pragmatismo que lhe
dá
origem, encampou a idéia do
incentivo ao consumo como base do desenvolvimento dos
negócios
e, por
decorrência, da economia toda. Valorizou-se o novo para se
justificar a
obsolescência como necessária, e a
indústria passou
a produzir coisas menos
duráveis, e até rapidamente
descartáveis.
A
chamada roda do consumo começava assim a funcionar e
o faz bem até hoje, pois a tecnologia, também se
renovando rapidamente,
justifica não procurarmos, por exemplo, uma
máquina
fotográfica para durar a
vida toda, pois dali a alguns anos os modelos mais recentes certamente
virão
com características técnicas mais
desejáveis.
A
filosofia quantitativa, em lugar da qualitativa,
também era uma desenvolvedora do mercado de trabalho - mais
vendas, mais
produção, mais empregos. E com esse mecanismo
simples,
nunca mais a roda do
consumo parou, e apoiada por teóricos como Schumpeter,
consolida-se a idéia de
que o consumo, incentivado pela inovação,
é um
fator não só positivo como quase
milagroso, que com o tempo nos proporcionaria qualidade
máxima e
custo mínimo.
2
– O DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO
O
sistema faz a cabeça da sociedade, do
”ser” para o
“ter”.
O
consumo foi colocado em um local de honra, e
naturalmente buscou-se a justificativa para ele. Existe um vetor
racionalizante
nos processos sociais; assim, os valores que a sociedade adota, por
qualquer
circunstância, tendem a ganhar uma defesa
ideológica para
se
institucionalizarem. Dessa forma a economia do consumo passou a criar
seus
heróis e mitos, quase sempre na figura de
milionários,
admirados e devidamente
promovidos. E a defesa desse modelo facilmente se baseia em argumentos
hedonísticos, que propagam o aproveitamento
máximo,
“já que a vida é curta”. O
ideal de ser uma pessoa importante, não mais repousa nas
suas
qualidades, mas
nas suas posses. A sociedade, de forma natural, passa a cultivar o
“ter”, forma
máxima de “ser alguém”.
A
sociedade nos necessita articulados.
A
economia de mercado, espinha dorsal do capitalismo,
tem uma dinâmica natural de procura de
otimização.
Por isso criou técnicas de
comercialização que melhor viabilizassem a
produção em massa, e isso pode-se
considerar que tenha sido a raiz do marketing atual.
Era
preciso criar um grande público consumidor, e os
argumentos dos vendedores foram levados para veículos que
podiam
multiplicar
sua disseminação. Jornais, e cartazes foram os
primeiros,
depois o rádio, em um
processo que se iniciou no fim do século XIX e se acelerou
no
início do século
XX, principalmente nos Estados Unidos.
Inicialmente
os argumentos eram racionais. “Compre este
produtos por esta razão objetiva” era o discurso
básico, algo mais ou menos
como “dois e dois são quatro”. Pouco a
pouco o foco
foi ampliado para o campo
não racional “Nove entre dez estrelas preferem
este
sabonete”.
Nessa
etapa descobriu-se o rendimento do argumento
“este produto é novo”. Inicialmente
ainda racional,
pois havia um processo
constante de aperfeiçoamento. Contudo, a natural vaidade
humana
que também se
expressa em possuir coisas originais e melhores, foi provocando a
apuração da
técnica de explorar o “status”
proporcionado pela
posse de novidades.
O
processo de mobilização do consumo pelos apelos
emocionais foi descoberto pelo marketing e propaganda, que o utilizou
largamente, e até com excessos, o que despertou algum
incômodo na sociedade,
que reclamou, como o fez o livro “Hidden
Persuaders”, de
Vance Packard. Mas a
articulação entre consumo/economia/bem-estar
prevaleceu,
e como a sociedade
viu-se aperfeiçoada, as reações
acabaram
minimizadas.
Nesse
estágio, a venda do “novo” criou um tipo
de
apelo: “mude para este produto”, enfatizando a
vantagem da
mudança, focalizada
como um ato de aperfeiçoamento. Nesse estágio
Hollywood
foi importante para
cristalizar o ideário da pessoa moderna, atualizada, e para
isso, claro,
mutante. Os heróis do público o emulavam e
estimulavam. A
roda do consumo
passou a funcionar ainda melhor.
Surgem
os teóricos da inovação
Os
empresários, que na idade média eram considerados
uma casta secundária, a dos negociantes, assumiram aos
poucos
uma vanguarda na
sociedade, e tornaram-se bem vistos, tão ou mais importantes
que
os
intelectuais, nas mensagens da mídia para a massa
consumidora.
Na década de 50,
no início da era do culto às celebridades, numa
comparação que escandalizou a
muitos, matéria da Revista Esquire chegou a dizer que um
Rockfeller valia mais
que um Steinbeck.
Os
intelectuais, nesse contexto, foram levados a
observar melhor a atividade dos empresários e a estudar e
explicar o sucesso da
sociedade de consumo. Tornaram-se os teóricos do marketing
uma
nova disciplina
que tratava de otimizar as técnicas de
produção e
comercialização, e que podia
explicar sucessos e fracassos com objetividade racional. A
técnica do marketing
torna-se verdadeira ciência, e colabora para o
aperfeiçoamento social
principalmente pela renovação de produtos e
processos por
outros aperfeiçoados.
Dessa forma, o marketing é o verdadeiro pai da
inovação.
Contudo,
notava-se no discurso de muitos daqueles
teóricos um condimento de guerra-é-guerra, que
naquela
fase dava o tom quase
geral da competitividade. Mas alguns, como Peter Drucker, demonstravam
a
lucidez para não justificar um vale tudo do sistema, coisa
que
é exemplificada
quando ele criticou acidamente o combate ao prejuízo da
Chrysler
a custa de
vinte mil empregos. Ele previa o problema que nascia com a prioridade
exagerada
do lucro.
No
cômputo geral, foram aqueles teóricos do marketing
que acabaram criando suas leis e verdades, compondo uma verdadeira
bíblia de
boa administração com o objetivo de otimizar
produção e vendas, e que mais
recentemente descobriram a atual força da
inovação. Constituíram-se em
verdadeiros profetas, mas alguns, diferentemente de outros como Peter
Drucker,
pregavam um culto exagerado do consumo.
Inovação
e mudança ganham defensores
A
par de seu papel no consumo, a inovação
também
floresceu por sua positiva carga de realização pela
defesa da mudança. Uma larga
corrente de
psicólogos, autores de
livros de auto ajuda, desde os consagradamente úteis como o
“Auto Estima” de
Nathaniel Branden, até os mais banais e inúteis
como
existem às dezenas, todos
pregavam a aceitação da mudança.
A
mudança, de acordo com essa sua defesa, era o
movimento, a vida, e a “não
mudança” seria a
estagnação, que em última
análise
significa inanição, morte. Por que reagir ao
novo? Aquela
nossa tendência de
valorizar a rotina passou a ser vista como suspeita.
Revendo
um texto que eu mesmo redigi e passei para meus
alunos da disciplina de Inovação e Criatividade,
(ver
quadro 2) percebo como
todos nós (“mea culpa”) ficamos
enredados no
ideário do “novo sempre positivo”,
e em maior ou menor grau, acabamos defendendo demais o culto da
inovação.
(quadro
2)
“INOVAÇÃO
CONTRA O VENTO FAZ BEM.
“Absurdo!”
- Essa é a reação comum às
novidades que agridem o status quo. Ela explode apesar de já
existir no íntimo,
até da pessoa mais conservadora, a expectativa de que coisas
novas sempre vão
aparecer. Quase todo mundo aprendeu a aceitar a mudança
linear,
aquela quase previsível,
pois é decorrente dos ganhos da ciência e
tecnologia, e
mais dia, menos dia,
elas surgem em nosso contexto. Diremos que os fatos contidos nessa
dinâmica
parecem obedecer a lógica das correntes, ou dos ventos.
Mas,
de repente, surge aquilo que parece um absurdo
incrível, e que vem como uma reviravolta total, pois
não
obedece à direção do
vento nem à lógica alguma. Penso que esse tipo de
mudança, mais assustador e
desconfortável do que a média, é a
mudança
contra o vento, e vemos defender
aqui que faz bem à nossa saúde
aceitá-la
também, da mesma forma que aceitamos
as chamadas “novidades” da
inovação linear.
Cabe
primeiro perguntarmos por que surge essa inovação
não linear, classificada como
“disruptiva” por
Christensen em seu antológico
livro The Innovators Dilemma. Ele não tenta explicar, mas
nos
surge também a
pergunta - por que ela não segue a tendência do
desenvolvimento considerado até
natural? Existirá algum fator que, desconhecido, provoque a
reação contrária?
E, finalmente, esse nosso pé para trás tem algum
sentido
positivo?
Para
explorar essas questões, e nos sentirmos talvez
mais à vontade na análise desse tipo de
“inovação violenta”, vamos
começar
lembrando que as tendências, ao se confirmar, tornam-se
padrões. Estes, base
dos paradigmas, têm sua função
útil de nos
fornecer trilhos facilitadores, que
evitam ficarmos constantemente “reinventando a
roda”.
Mas,
aqui vem o X da questão, que justifica até este
texto e o tempo investido de quem o lê – perdemos
muito com
a obediência cega
aos padrões! Não podemos correr o risco de nos
escravizarmos à lógica do
desenvolvimento exclusivamente previsto e aceito. Isso nos amarraria,
nos
traria, no mínimo, atraso e perda de competitividade.
Frequentemente
a inovação inesperada, no campo
empresarial, propicia ganhos enormes, ainda que cobre o
preço de
riscos maiores
de fracasso. E$xatamente por isso vemos que as grandes
organizações,
impossibilitadas de assumir riscos devido ao seu tamanho, ultimamente,
como
confessou a Procter, dedicam-se a procurar e adquirir as
inovações criadas
pelos pequenos, que normalmente assumem riscos.
Daí,
uma lição para nosso âmbito pessoal:
não nos
faz
bem recusar o novo, simplesmente porque nos parece estranhamente
diferente. Se
ele tocar simpaticamente nossa intuição, vale a
pena
apostar. Só assim seremos
os inovadores que se beneficiam mais com a imprevisibilidade do mundo.
São os
que não seguem apenas a direção do
vento mais
forte”.
3
- OS GESTORES REVÊEM A INOVAÇÃO
Penso
que estamos, dentro daquele processo de mudança
permanente do mundo, vendo o limiar de uma nova etapa, em que a
sociedade se vê
obrigada, por tudo o que a cerca, a rever-se inteiramente. Desde o meio
ambiente até o contrato social, tudo parece nos encurralar,
e
obriga a procura
de novas soluções, pois os problemas
estão se
tornando inadiáveis. “Sempre é
possível piorar um pouco”, dizem os pessimistas
contemporizadores, quando os
pessimistas catastróficos afirmam que já chegamos
ao
fundo do poço.
Em
2000, Dee Hock, que fora o executivo número um do
Visa durante dezessete anos, abandona sua aposentadoria e ao assumir a
direção
de uma organização não lucrativa,
publica “O
Nascimento da Era Caórdica”. Assim
como vi o “Quinta Disciplina”, de Peter Senge, em
1992
catalisar e enfeixar
informações existentes sobre gestão,
vi nesse
livro de Hock o delineamento de
uma nova solução para harmonizar o marketing, o
consumo e
a inovação com uma
nova realidade de mundo. Resumindo muito, ali se defende que a
atividade
econômica não seja predadora do homem nem do
planeta.
Poluição, desemprego e
outros problemas modernos seriam equacionados e resolvidos ao
prevalecer uma
nova mentalidade mais comunitária.
A
solução de Dee Hock não é
utópica
como a de Domenico
de Masi, que defende a lógica simplista de transformar o
tempo
ganho com a
produtividade em um ócio compartilhado. Por essa teoria, ao
reduzir
progressivamente a semana de trabalho, desapareceria o desemprego e a
humanidade seria feliz. Dee Hock prega uma consciência de que
não podemos
continuar atacando o meio ambiente e desprezando os problemas humanos
atuais,
para beneficiar o capital investidor. É uma
lógica
irretorquível, que talvez
esteja começando a minar a mentalidade do “tudo
por
dinheiro”. Percebe-se isso
ao observar o que está se tornando o discurso politicamente
correto.
Vemos
assim que
a corrida da competitividade baseada no consumo e na
inovação começa a ser
revista. Os movimentos de Responsabilidade Social são
exemplos
disso. Ações
globais para enfrentar o problema do aquecimento da terra
estão
na ordem do
dia. O clima do planeta reage à
predação
desenfreada, e não por acaso o
conceito de sustentabilidade é cada vez mais discutido.
Os
dirigentes de todo tipo de organização
vêem-se hoje
instados a seguir princípios que Edgar Morin defendeu, a
pedido
da Unesco, no
seu emblemático livro “Sete Saberes
Necessários
à Educação do Futuro”. Entre
esses saberes, estão os de exercer a
condição
humana e a identidade terrena,
coisas que Dee Hock tentou colocar em prática na sua
criação e gestão do cartão
Visa, a maior organização mundial do
gênero. Afirma
ele que o controle acabou
lhe fugindo das mãos, e Visa se tornou uma empresa como as
outras, o que o fez
aposentar-se, e dedicar-se amargamente a arar terras desertificadas,
que
comprara, para que a natureza as retomasse.
Mas
os desígnios da inovação
também agem
depurativamente, pois ele tornou-se peça central de um
movimento
extremamente
renovador. Hock foi atraído e mobilizado por um grupo de
idealistas que o levou
a fundar e dirigir a Aliança Caórdica, a mais
rica
organização do terceiro
setor nos Estados Unidos. O sucesso financeiro da iniciativa
é
sintomático,
pois revela como está acontecendo uma mudança de
consciência entre os gestores
do sistema.
Aqui
em nosso país vemos muitos casos de
inovação
abrirem perspectivas novas de soluções dos
problemas
nascidos da mentalidade
guerra-é-guerra. Inovação, por
exemplo, levada
pelo SEBRAE para otimizar a
atividade econômica dos pequenos empresários.
Outro
exemplo importante é o do
Instituto Endeavor, espécie de incubadora de iniciativas
produtivas.
Talvez
tenhamos chegado, finalmente, à idade da razão
quanto ao nosso sistema, após um longo caminho de acertos
suplantados por
erros. O balanço que surge na atualidade, mostra que os
erros
não mais estão
sendo absorvidos, e a inovação que sempre teve um
papel
importante nas
conquistas da humanidade, passou a apresentar um seu lado perigoso de
se
colocar a serviço de um sistema imperfeito demais. Surgem
alertas, preconizando
o uso da inovação para a
solução de
problemas que o seu abuso criou. Sobre isso
alegro-me de já ter dado, também para meus
alunos, um
toque conscientizador, na
forma de um texto (ver quadro 3) em que defendo limites para a
inovação.
(Quadro
3)
“INOVAÇÃO
TEM LIMITE. Segurem-se os tímidos, respirem
fundo para não tremer, que as mudanças de hoje
estão abalando alicerces.
Combustível do desenvolvimento em todos os campos, as
conquistas
da ciência e
os ganhos da tecnologia têm hoje ritmo até
assustador. Por
isso andam afirmando
que a inovação é o nome do jogo,
é a
última moda mas veio para ficar, é um
processo obrigatório, e quem recusar ou recuar
está
frito. Mentira, as coisas
sempre têm limite, tudo em excesso é ruim,
até
água. Inovação também.
Tanto no
âmbito pessoal, como no das
organizações, existem
claros níveis acima dos quais
a inovação passa a ser contraproducente. Continuo
afirmando, como o fiz até o
presente, que inovar é preciso, que o mundo não
pára de mudar, e que
precisamos, pessoas ou empresas, estar sintonizadas com a realidade
atual. Mas
vamos agora focalizar o que defendemos ser o limite dessa
dinâmica.
No
âmbito pessoal temos primeiro de levar em conta o
desconforto da mudança, pois nada como aproveitar a
experiência, que gera
rotinas serenas e seguras. A rigor, confortável
só
é a mudança das fraldas
sujas, para deixar o nenê feliz. Porém o
desconforto da
mudança desaparece
quando nos acostumamos a ela, como no caso do sapato novo que logo fica
tão bom
quanto o velho. Mas a questão maior vem com as
mudanças
do mundo que põem em
cheque nossos valores. Aí, sim, a mudança
é
problema difícil, com a
encruzilhada de duas alternativas ruins; de um lado a
renúncia
com desapego, e
do outro o desajuste e suas seqüelas. Disso nascem os limites
da
inovação
pessoal. Precisamos ser menos egocêntricos, mas nunca podemos
nos
desapegar de
nossas crenças e princípios, que
compõem os
valores com os quais aprendemos a viver.
Tentar abandoná-los é complicar nossa
essência. Mas
se o entorno vê nossa posição
como “antiquada”, “fora de
própósito”? Ai chega o momento de
negociarmos,
partindo
do princípio que não existe apenas uma verdade, e
que
podemos (e devemos)
admitir a diversidade de pontos de vista. Negociar uma
adaptação é como assinar
um tratado de convivência. No âmbito da
família, o
amor é o avalista desse
acordo, e todos podem “ficar na sua”. Foi-se o
tempo da
autoridade absoluta,
controladora e punitiva. Convivencialidade começa em casa. Sim,
é bom ficar
aberto a mudanças, mas nunca a custa de anular nossa
consciência. O mote não é
inovação, é felicidade.
E
no campo das empresas? Aí inovação e
mudança têm dois
aspectos básicos, ambos relevantes: questão um, a
ética, questão dois, a
complexidade. Ambas compõem o limite da
inovação
viável e produtiva em qualquer
atividade profissional.
A
ética precisa estar contida na missão da empresa,
que
a par de obter lucros, deve respeitar o homem e o planeta, sociedade e
meio
ambiente. Com isso na cultura e na política da
gestão, o
resto é detalhe, e
toda a questão da inovação ganha
parâmetros
naturais - o que a organização deve fazer,
em cada situação, ficará sempre claro.
Vejamos
agora o limite imposto pela complexidade à
inovação organizacional. Partamos de um exemplo,
a de uma
rede de fast food da
California que resolveu simplificar o seu cardápio inovador
que
se tornara
extenso demais e
acarretava uma
operação
complicada, pouco produtiva. Eliminaram os itens menos procurados pelos
clientes,
e ficaram com
apenas meia
dúzia de
escolhas, mas daí com qualidade, eficiência e
custos
tão melhores, que todo o
resto foi compensado. Caiu o ônus de uma
operação
complexa, dentro da qual a
“inovação permanente”
reinava. Simplicidade
foi a solução. Claro que esse
exemplo não pode ser generalizado, pois cada setor tem suas
peculiaridades, e
princípios de competitividade naturalmente se
sobrepõem
aos de operação mais
fácil - o que esta valerá, se não
produzir vendas?
Sugiro,
como conclusão, que o limite da
inovação, tanto
no campo pessoal como no empresarial, seja imposto pela
inteligência, que se
alimentará com informações captadas
por olhos
não ofuscados pelo brilho da
última moda. Inovar, sim, mas nunca a qualquer
preço,
jamais apenas para
parecer moderno.”
A
idade da razão no campo da inovação se
caracteriza
também pela nova posição da
mídia, com
exemplos em reportagens e artigos,
trazendo novas orientações, e que invariavelmente
aparecem em todas as edições
de revistas de gestão e de negócios, como a
Harvard
Business Review e a
Business Week, além de outras.
São
estudos como, para citar o exemplo de um dos mais
importantes, “Innovation vs Complexity”, publicado
na HBR
de novembro passado,
sobre os problemas advindos do emprego da
inovação
permanente frente à
complexidade da sua administração. Lendo-o, vemos
que a
complexidade, fenômeno
que também foi pioneiramente estudado por Edgar Morin,
parece
ter feito chegar
o que poderia ser considerada “a hora da verdade”,
na qual
nenhum conceito mais
é sagrado, e tudo, até a própria
mudança,
precisa ser revisto à luz da
realidade que nos cerca.
Após
a era das mudanças endeusadas, a vida inteligente
virá também através de uma
mudança
Os
novos rumos que o marketing começa a tomar,
aperfeiçoando-se por meio de ajustes ao interesse maior da
sociedade, é razão
para um olhar otimista no futuro. Três
rápidos
exemplos desses ajustes: as exigências das empresas para que
seus
fornecedores
obedeçam a práticas sadias nas
relações de
trabalho; o valor maior que os
veículos ganham ao aumentar seu percentual de partes
recicláveis; a criação de
fundos de investimento voltados especificamente para empresas
socialmente responsáveis.
Vemos
hoje assim que, em ritmo crescente, agora as
atividades econômicas passam a preocupar-se com a
sustentabilidade ambiental e
com a relação do homem com o seu trabalho. Esse
parece
ser o início de um tipo
de macro-mudança, tornando superados e até
caricatos
alguns aspectos ruins da
realidade atual, já fartamente denunciados. Não
se
vê mais sentido em
transformar executivos em workaholicos, como também
não
faz sentido aperfeiçoar
a produção a custa da
eliminação do emprego
de contingentes que, a rigor,
desempregados, ficam impossibilitados de consumir.
Tudo
isso que o olhar
otimista espera que aconteça, será
também produto
da inovação, que com sua
ação
depurativa, irá redimir o seu uso exagerado. Isso
será
produto do que pode ser
chamado de macro-mudança. Esperamos poder vê-la em
breve.
”Quem,
ao percorrer um caminho conhecido, descobre um
novo caminho, pode considerar-se sábio”.
Confúcio
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