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INOVAR É PRECISO?

José Predebon (artigo publicado na Revista da ESPM)

Resumo: O texto discute a necessidade da inovação nos campos pessoal e profissional, registrando as tendências dicotômicas do homem perante a exploração do novo e a valorização da rotina. Termina defendendo que só os santos, os gênios e os eremitas não precisam se preocupar com inovação.

 

Há um vento novo nos ares, basta atentar. É uma brisa do todo fluindo como o rio de Heráclito, que nunca tinha as mesmas águas. Expor-se à mudança que sopra e respirar alegre o novo tempo é navegar a realidade, sábio propósito.

 

INOVAÇÃO, UM EXAGERO.

Os veteranos do marketing são testemunhas de que dificilmente algum assunto desse campo chegou perto de ser tão ventilado, estudado, recomendado. Demais, para muita gente. Mas o bom senso dentro das organizações não consegue rejeitar a necessidade da mobilidade, da flexibilização, da experimentação, de tudo, enfim, que envolve a inovação. Ela é filha da mudança, que por sua vez é irmã da criatividade, e tudo isso está para nossa geração como a luz elétrica esteve para nossos bisavós, após Thomas Edison, pois já se admite a inovação hoje é responsável por metade do PIB norte americano.

Pode-se dizer assim que a inovação, ou a mudança, trouxe e trará tudo o que afetou e afetará nossas vidas, inclusive a Internet. Como mudança sempre se contrapõe ao conforto da rotina, a pergunta no título é também uma questão que, conscientemente ou não, ocorre à maioria das pessoas que atuam dentro de organizações. Isso justifica pensar-se no assunto, que é o que se propõe aqui, em clima especulativo e exploratório, como sugere-se que devam ser as abordagens do que se prende ao futuro. Vamos às reflexões.

OS VENTOS DA MUDANÇA.

         Ventos novos por vezes são fortes, óbvios e demolidores, como os que sentimos nos anos sessenta, na política, anunciando outros tempos. Há os que chegam soprando aqui e ali, sobre alguns grupos, se disfarçando de modismo para depois trazer grandes mudanças. Como no limiar dos anos noventa, quando se começou a usar a Internet.

         Há ainda brisas que sopram rápidas, promissoras, mas depois recuam, barradas pelas montanhas da complexidade, altas demais para a percepção existente. Assim viu-se a morte do Esperanto, no pós-guerra.

         Hoje é tal o nível dos ventos da inovação que nos sentimos num rebaixo hostil, sem horizontes, varrido pela mudança que leva embora nossos valores cultivados, e nos envolve com outros que estranhamos. A maioria de nós percebe, angustiada, que não se trata de um fenômeno passageiro. Rodopiamos confusos procurando sobreviver no furacão de informações e descobrir um rumo resultante da direção instável dos movimentos. Partimos até para estudar o caos e, o que dizem existir, sua ordem implícita.

TENTANDO ENTENDER.

         Há muitas perguntas, é preciso pensar respostas, para depois aplicá-las ao nosso dia a dia pessoal e profissional. Este texto pretende ser apenas uma sacudida de cabeça, do tipo que se faz para esvaziá-la e começar outra linha de raciocínio. Tenta-se explorar reflexões, para, quem sabe, depois amarrar alguns fios de uma rede de compreensão das coisas novas que nos cercam.

         Faltará profundidade à tentativa, eu sei. Mas há gestos que não devemos omitir, ainda que saibamos que outros os poderiam fazer melhor. Sugere-se que esta especulação valha pela iniciativa de dividir não só dúvidas, mas esperanças que, ao se multiplicar entre os leitores, ganhem mais alguma chance de se tornar realidades no próximo panorama em que viverão nossos filhos.

         Explorações de expectativas assim teriam um norte, aparentemente pretensioso, a harmonia do todo. Mas é dessa direção que poderá vir a orientação para darmos o primeiro passo de alguma nova caminhada.

         Começos são necessários, ainda que difíceis. Mas é tudo tão possível, diz aqui nossa parte otimista. De início precisamos flutuar sobre os processos da inovação, sem tentar dominá-los. Talvez mais tarde os entendamos e aprendamos a conviver com eles.

A NECESSIDADE E A DOR DA INOVAÇÃO

         Nascemos com uma incoerência inata, que nos faz conquistadores, como navegantes com a índole de explorar o desconhecido, e ao mesmo tempo amantes da harmonia calma dos caminhos batidos.

         Para esse ser contraditório, as conquistas da inovação serão saudáveis? Ou se tornarão um vício? E que dizer da sabedoria de se quedar como o índio, contemplativo e conciliado com a natureza, da qual sabe ser integrante?

         Alguns sentem-se realizados ao vencer desafios, e chamam de indolentes os que se mantém serenos frente ao entorno. Estes em geral sorriem, sem nada criticar.

         Das dúvidas de todos surgem duas questões básicas: a conquista realiza ou escraviza? A conciliação traz serenidade a custa do quê? Percebe-se que de alguma forma a rotina apascenta, e a mudança atemoriza nossa parte que deseja sobreviver.

         Para tais dúvidas, existe uma boa resposta, que é simplesmente aceitar a não existência de uma resposta certa. Assim, para cada um de nós se abriria um caminho próprio, de acordo com a vocação trazida nos genes e desenvolvida pelas circunstâncias.

         Intui-se que essa direção particular para a pessoa quase sempre não terá um norte radical. Porque somos complexos, estamos mesmo predestinados a conviver com o sofrimento e a procura da inovação, vivendo em uma rota sinuosa.

         Mas, os destinos opostos sugeridos por essa dicotomia têm uma alternativa, ainda que difícil e por isso rara. É a posição marginal de quem consegue abrir seu nicho próprio de vida, o que exige uma forte personalidade, das que vencem as correntezas das compulsões sociais, encontrando na filosofia e/ou na espiritualização o seu caminho. Como essa variante pertence a uns poucos, voltemos aos mortais ditos normais.

ABRINDO AS VELAS PARA OS NOVOS VENTOS

         Então, para os seres nascidos divididos como a grande maioria, e que se propõem a entender e participar do contexto inovador, sobrevem a procura daquela estrada própria.

         Conhecer-se para respeitar sua maneira de ser, e assim poder aproveitá-la da forma mais natural para a jornada da procura da felicidade - esse seria o início da marcha com sabedoria.

         Assim conscientes, o objetivo passa a ser alcançável quando se abrem as velas aos novos ventos. Aproveitar o contexto e navegar a inovação é a viagem inteligente que se apresenta a cada um. É preciso, entretanto, lembrar sempre que não há mapas para o mar da incerteza, o único disponível no futuro.

         Liberados de antigos modelos ("Filho, terás teu diploma, te casarás, terás filhos e assim serás feliz") e sem a disciplina de rotas pre-estabelecidas por mapas tranquilizadores, poderemos nos tornar marinheiros felizes pela aventura do novo. Seremos mais improvisadores alegres do que cumpridores de previsões.

 

UM OUTRO CAMINHO.

         Mas, se o auto-conhecimento mostrar que nossa natureza sofre demais com a incerteza, teremos a opção de, sem recusar a realidade, viajá-la de maneira própria. O contexto sempre se estabiliza compondo um sistema, e, como sistema, depende de organização. Dessa forma há lugar para todos, inclusive para os que não são improvisadores, geralmente ditos criativos, mas organizadores, guardiões da experiência e habilidade de construir os barcos necessários para navegar a inovação.

         Chegando a esse ponto, cabe ampliar o foco da reflexão. Assim como as pessoas, a sociedade também deve seguir suas vocações, numa dinâmica em que cada integrante seu pode realizar-se sem negar a direção da maioria. É importante que os novos ventos sejam compreendidos pela comunidade, que, como os indivíduos, poderá aproveitá-los de forma mais sábia.

         Se a sociedade não souber o que está acontecendo, seu contexto será levado para a ladeira da inconsciência, do consumismo, da alienação. De onde poderá rolar em dolorosa ruptura, para se recompor só após muito sofrimento - que ainda pode ser evitado, se não virarmos as costas para os novos tempos.

         Finalizando, resumimos a resposta à questão proposta no título deste texto: sim, inovar é preciso para quase todos nós. A alternativa consciente para essa necessidade é profundamente difícil, e reservada a santos, gênios ou eremitas mentais, os únicos que nunca precisarão inovar.

         
jose@predebon.com.br