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VIAGEM
AO MUNDO DO LIVRE ARBITRIO? Pergunta de Plantão
J.
Predebon, Maio, 2019
PERGUNTA
DE
PLANTÃO.
A última edição da Revista da ESPM (n° 114)
enfatiza o poder dos algoritmos, da
digitalização e das redes sociais,
afirmando que tudo isso compõe o atual espírito dos
tempos (zeitgeist), onde
todos nos conectaremos – o professor
Predebon concorda?
RESPOSTA:
Devagar
com o andor. A
realidade mostra essa direção, porém existe uma
ressalva que faço, ao chamar a
atenção para a conexão exagerada, que elimina
tempo demais da vida real para
nos colocar no mundo virtual. Digo
isso porque eu próprio, ao completar oitenta anos, resolvi
limitar minhas
conexões para sair um pouco do mundo
regido pela telinha. Abandonei redes sociais e abri espaço para
os valores do
cotidiano, aproveitado “ao vivo”, a fim
de ter melhor qualidade de vida no meu nono decênio, que se
iniciava. Sabedoria
ou idiossincrasia senil? kkk
VIAGEM
AO MUNDO DO LIVRE
ARBÍTRIO.
Sempre
acreditava que os
mil caminhos, para cada um dos mil destinos que podemos escolher na
vida,
estariam na
loja do livre arbítrio. Apesar de ouvir os psicólogos da
linha behaviorista
afirmarem que isso é equívoco, já que o
entorno nos torna quase marionetes, eu continuava com minha
crença, até a noite
que tive o sonho das cem portas.
Foi um sonho de enredo estranho, onde me vi em uma galeria com dezenas
de
portas, cada qual com uma placa,
identificando uma atividade. Eram as entradas que permitiam às
pessoas escolher
sua ocupação para ganhar a vida.
Só que todas as portas levavam a um mesmo local maldito, onde um
monstro
gigantesco engolia quem chegava.
Essa criatura representava o sistema econômico atual, que absorve
seus
participantes, pasteurizando sua ação.
Ninguém fugia do monstro porque estavam todos mergulhados em
suas conexões.
Entravam e esqueciam seus
sonhos, enquadrando-se passivos no padrão do sistema. No
ambiente onírico eu
era curioso como na vida real, o
que me levou a explorar toda a galeria até encontrar um desvio,
que dava para
um portal, onde tremulava uma
bandeira com a palavra “individualidade”. Uma ficha caiu
para mim; entendi a
metáfora do sonho e acordei feliz.
Caros leitores, esse sonho condensa minha experiência de uma vida
longa com
buscas e reflexões sobre o que eu
poderia chamar de opção ideal, em termos de
inserção no mundo, não só de
carreira. E hoje, experiente como poucos, acredito que a escolha
melhor, dentro
da arte do possível, será qualquer uma que tenha o aval
do seu
interior, que se manifesta pelo que chamamos de vocação.
Porém, atenção, para dispor desse aval é
preciso ter a mais importante conexão
que podemos cultivar – a que liga
nossa mente racional ao coração, dono das
emoções. Ao dedicar tempo demais às
redes sociais perdemos o contato
com nosso interior. A prática exagerada sempre irá nos
colocar na direção do
mainstream, gerenciado por
algoritmos. Sistema é sistema, tudo engloba.
Algoritmo é receita, pode ajudar, tornando mais fácil as
decisões de carreira.
Porém o algoritmo é filho da
estatística, gerada pelo mercado, e acaba priorizando a
composição de uma
sociedade balanceada, não o interesse
ou os sonhos de uma pessoa. O algoritmo serve ao sistema que absorve
tudo, até
quem está à sua margem, e que se
alimenta da conexão. Sistema corretamente frio porque é
sistema econômico,
simples assim.
Pode-se viver fora desse esquema? Sinceramente, não defendo os
eremitas, mas
acho que uma boa opção é mais
ampla do que uma só definida pela dicotomia entre o conformado e
o rebelde. A
opção que sugiro a filhos, alunos e
pessoas que me pedem conselhos diz que é possível
resguardar a individualidade
ao ponto de não nos sentirmos
passivos, como num rebanho. Pensemos que sempre é
possível exercer a parte do
livre arbítrio que cabe no mundo
atual. Não se tornar dependente dos algoritmos e das
conexões é difícil – mas é
gratificante. □□□
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